quinta-feira, 17 de abril de 2008

quarta-feira, 16 de abril de 2008

1º Palestra 2º dia

1º Forum Jurídico - 2º dia

Essas são as fotos do 2º dia do 1º Forum Jurídico da FADIPA






segunda-feira, 14 de abril de 2008

Como funciona uma Investigação Policial

Revista Veja 16 04 2008


Estilo: Revista

Edição: 16 / 04 / 08

Tamanho: 33 Mb

Formato: Rar / Pdf

Idioma: Português


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Prisão civil do depositário infiel: impossibilidade

A Constituição brasileira prevê duas hipóteses de prisão civil: do alimentante inadimplente e do depositário infiel (CF, art. 5º, inc. LXVII). A legislação ordinária brasileira regulamentou (com base na CF) várias situações de prisão civil, ampliando bastante a locução "prisão do depositário infiel". Essa ampliação excessiva sempre foi objeto de muitas críticas.

Incontáveis acórdãos do STJ reiteradamente negaram validade para a prisão do depositário no caso da alienação fiduciária (REsp 7.943-RS; REsp 2.320-RS etc.). No STF alguns votos vencidos (de Marco Aurélio, Rezek, Velloso, Pertence) não discrepavam do entendimento preponderante no STJ.

Todavia, o pensamento majoritário tradicional no STF sempre foi no sentido da sua admissibilidade.

Um novo horizonte está sendo aberto somente agora, depois do RE 466.343-SP (visto que nele já existem oito votos no sentido da inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel no caso da alienação fiduciária).

Seu relator (min. Cezar Peluso) negou validade para a prisão do depositário infiel no caso da alienação fiduciária (porque a legislação respectiva conflita com a CF). O min. Gilmar Mendes agregou outros dois fundamentos: considerando-se que a CADH só prevê a prisão civil por alimentos (art. 7º, n. 7), é certo que nossa legislação ordinária relacionada com o depositário infiel conflita com o teor normativo desse texto humanitário internacional. O conflito de uma norma ordinária (que está em posição inferior) com a CADH resolve-se pela invalidade da primeira. É o que ficou espelhado no voto do min. Gilmar Mendes, que ainda mencionou o princípio da proporcionalidade como ulterior fundamento para não admitir a prisão de depositário infiel. No HC 90.172 (com votação unânime da Segunda Turma), o min. Gilmar Mendes reiterou sua posição anterior.

No dia 12.03.08, em antológico voto, o min. Celso de Mello (no Pleno do STF – HC 87.585-TO e RE 466.343-SP) reconheceu, não a supralegalidade, sim, o valor constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos (sobre o tema, cf. GOMES, L.F., Estado constitucional de direito e a nova pirâmide jurídica, São Paulo: Premier, 2008, p. 30 e ss.).

Tendo em conta que no RE 466.343-SP já existem, agora, oito votos favoráveis à tese de que a prisão civil do depositário infiel foi proscrita no nosso país; considerando-se que a votação (no mesmo sentido) no HC 90.172-SP (Segunda Turma) foi unânime, é com grande surpresa (e decepção) que estamos vendo as decisões destoantes da Primeira Turma (HC 90.759-MG e HC 92.541-PR).

Mais sensato e juridicamente incensurável foi o voto do min. Marco Aurélio, proferido no HC 87.585-TO, em 29.08.07, que reafirmou a tese de que o Pacto de San Jose (CADH) "derrogou" as normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel.

O único reparo que talvez possa ser feito diz respeito à "derrogação" das normas legais pela CADH: quando se aplica o princípio da hierarquia (não o da posterioridade), o correto seria falar em invalidade (ou inaplicabilidade), não em derrogação. Fora isso, parece-nos incensurável o entendimento retratado no HC 87.585-TO (que agora também recebeu o voto do min. Celso de Mello, no sentido da constitucionalidade dos tratados dos direitos humanos).

De qualquer modo, tendo em conta os ainda divergentes RHC 90.759-MG e HC 92.541-PR, vê-se que não se sedimentou (de modo completamente indiscutível) a posição do STF a respeito do cabimento (ou não) da prisão civil do depositário infiel.

Mas pelos votos favoráveis (oito) emitidos até aqui em favor da impossibilidade da prisão do depositário infiel, sobretudo no caso de alienação fiduciária (RE 466.343-SP; HC 90.172-SP; HC 87.585-TO), é de se admitir que essa será (finalmente) a tese vencedora. Aliás, não poderia ser de outra forma, em virtude do disposto no art. 7º, 7, da CADH (que conta com correspondência no art. 11 do PIDCP). A nova jurisprudência do STF finca suas raízes em novos tempos, em novos horizontes: a era da globalização deve também ser a era da preponderância dos direitos humanos.

AUTOR: Luiz Flávio Gomes- doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Instituto Panamericano de Política Criminal (IPAN), consultor, parecerista, fundador e presidente da Cursos Luiz Flávio Gomes (LFG) - primeira rede de ensino telepresencial do Brasil e da América Latina, líder mundial em cursos preparatórios telepresenciais

sábado, 12 de abril de 2008

Informativo STF 500

Brasília, 31 de março a 4 abril de 2008 Nº 500

Data (páginas internas): 9 de abril de 2008
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário
Conselho Nacional de Justiça: Concurso Público e Ato Administrativo - 1
Conselho Nacional de Justiça: Concurso Público e Ato Administrativo - 2
ADI e PROUNI - 1
ADI e PROUNI - 2
ADI e PROUNI - 3
Repercussão Geral e Preliminar Expressa
ADI e Provimento de Diretoria de Empresas Estatais
ADI: Composição e Competência da Justiça Militar
ADI: Questão Tributária e Competência do Tribunal de Contas
Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 4
Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 5
Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 6
Serviços de Água e Saneamento Básico - 3

1ª Turma
Crime Continuado e Reunião de Feitos - 3
Prisão Preventiva e Progressão de Regime
Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento

2ª Turma
Correição Parcial e Descabimento da Via Recursal - 1
Correição Parcial e Descabimento da Via Recursal - 2
Júri: Cerceamento de Defesa e Juntada de Documentos
Concurso Público e Cargo de Professor Titular - 1
Concurso Público e Cargo de Professor Titular - 2
Ação Civil Pública e Legitimidade do Ministério Público
Quebra de Sigilo Bancário - 2
Fornecimento de Água e Esgoto e Remuneração

Transcrições
Crime de Receptação - Cominação Penal - Ofensa ao Princípio da Proporcionalidade (HC 92525 MC/RJ)
Prisão Preventiva e Direitos Fundamentais (HC 91386/BA)

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Plenário

Conselho Nacional de Justiça: Concurso Público e Ato Administrativo - 1
Por não vislumbrar direito líquido e certo, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra decisão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ que julgara procedente pedido formulado pela Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco - AMEPE, em procedimento de controle administrativo, e determinara a anulação do ato que estendera, aos impetrantes — candidatos de concurso destinado ao preenchimento de vagas do cargo de juiz substituto daquela unidade federada —, o arredondamento de notas concedido a duas candidatas. Esclareceu-se, inicialmente, que o TJPE, em writ lá impetrado, concedera a ordem para excluir do edital do concurso item que vedava a revisão das provas dos candidatos. Em decorrência disso, fora constituída Comissão Revisora do Concurso, a qual concluíra pela revisão das notas das provas de apenas duas candidatas, majorando-as para a nota mínima exigida no edital. Ocorre que, posteriormente, o Pleno do TJPE resolvera, com base no princípio da isonomia, estender o arredondamento de notas a todos os candidatos que impetraram esse writ, mas que não haviam tido sucesso na revisão.
MS 26284/DF, rel. Min. Menezes Direito, 31.3.2008. (MS-26284)

Conselho Nacional de Justiça: Concurso Público e Ato Administrativo - 2
Considerou-se que o fato de a decisão impugnada ter sido proferida após a determinação judicial que garantira o direito dos candidatos à revisão das provas não afastaria sua natureza administrativa, razão pela qual o CNJ teria agido no âmbito de sua competência definida no art. 103-B, II, § 4º, da CF. Asseverou-se, no ponto, que o TJPE não examinara, no mandado de segurança lá impetrado, a questão relativa ao arredondamento de notas, limitando-se a excluir a vedação à revisão de provas. Repeliu-se, ademais, a alegação de ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, ao fundamento de que os impetrantes teriam tido oportunidade de se manifestar sobre o ato administrativo examinado, apresentando suas informações, e que caberia ao CNJ, diante da imprescindibilidade dos documentos novos juntados para a solução da causa, decidir pela necessidade ou não de manifestação ulterior dos interessados. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia a ordem para anular o processo administrativo, por considerar não ter sido observado o devido processo legal, pois os impetrantes não teriam tido vista para se manifestar sobre os documentos novos juntados aos autos, os quais serviram ao convencimento dos conselheiros.
MS 26284/DF, rel. Min. Menezes Direito, 31.3.2008. (MS-26284)

ADI e PROUNI - 1
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - CONFENEN, pelo Partido Democratas e pela Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social - FENAFISP, em que se objetiva a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, que institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades de assistência social no ensino superior, e dá outras providências. Preliminarmente, o Tribunal não conheceu da ação proposta pela FENAFISP, por falta de legitimidade ativa (CF, art. 103, IX). Em seguida, o Min. Carlos Britto, relator, afastou a preliminar relativa à ausência dos pressupostos de urgência e relevância para edição da medida provisória. No ponto, o relator considerou o decidido na ADI 3289/DF (DJU de 3.2.2006) no sentido de que a conversão de medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional sobre o atendimento desses pressupostos.
ADI 3330/DF, rel. Min. Carlos Britto, 2.4.2008. (ADI-3330)

ADI e PROUNI - 2
Quanto ao mérito, o Min. Carlos Britto, julgou improcedente o pedido formulado. Afastou, inicialmente, a alegação de que os artigos 10 e 11 da Lei 11.096/2005 ofenderiam o inciso II do art. 146 e o § 7º do art. 195 da CF. Asseverou que o termo “isenção”, contido no § 7º do art. 195 da CF, traduziria imunidade tributária, desoneração fiscal que teria como destinatárias as entidades beneficentes de assistência social que satisfizessem os requisitos estabelecidos em lei. Assim, ter-se-ia conferido à lei a força de aportar consigo as regras de configuração de determinadas entidades privadas como de beneficência no campo da assistência social, para fazerem jus a uma desoneração antecipadamente criada. Repeliu, de igual modo, a assertiva de que os dispositivos legais em causa não se limitariam a estabelecer requisitos para o gozo dessa imunidade, mas desvirtuariam o próprio conceito constitucional de “entidade beneficente de assistência social”. Aduziu que a elaboração do conceito dogmático haveria de se lastrear na própria normatividade constitucional, normatividade esta que teria as entidades beneficentes de assistência social como instituições privadas que se somariam ao Estado para o desempenho de atividades tanto de inclusão e promoção social quanto de integração comunitária (CF, art. 203, III). Esclareceu que esta seria a principal razão pela qual a Constituição Federal, ao se referir às entidades de beneficência social que atuam especificamente na área de educação, tê-las-ia designado por “escolas comunitárias confessionais ou filantrópicas” (art. 213), e destacou precedentes da Corte que concluíram que a entidade do tipo beneficente de assistência social a que alude o § 7º do seu art. 195 abarcaria a de assistência educacional. Concluiu, no ponto, que a lei impugnada não teria laborado no campo material reservado à lei complementar, mas tratado apenas de erigir um critério objetivo de contabilidade compensatória da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais, critério que, atendido, possibilitaria o gozo integral da isenção quanto aos impostos e contribuições mencionados nessa lei.
ADI 3330/DF, rel. Min. Carlos Britto, 2.4.2008. (ADI-3330)

ADI e PROUNI - 3
O relator, da mesma forma, reputou descabida a afirmação de que o art. 2º da Lei 11.096/2005 afrontaria o art. 5º, I e LIV, da CF. Salientando que a igualdade é valor que tem no combate aos fatores de desigualdade o seu modo próprio de realização, entendeu que a desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que tivessem sido contemplados com bolsa integral constituiria discrímen que acompanharia a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade. Também não acolheu a tese de que o art. 7º da norma em questão violaria o princípio da autonomia universitária (CF, art. 207), visto que o PROUNI seria um programa concebido para operar por ato de adesão ou participação absolutamente voluntária. Esgrimiu, ademais, o argumento de ofensa ao princípio da livre iniciativa (CF, art. 170), ao fundamento de que este postulado já nasceria relativizado pela própria Constituição, pois a liberdade de iniciativa estaria sujeita aos limites impostos pela atividade normativa e reguladora do Estado, que se justificasse pelo objetivo maior de proteção de valores também garantidos pela ordem constitucional e reconhecidos pela sociedade como relevantes para uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Por fim, rechaçou o apontado desrespeito pelo art. 9º da lei em causa ao art. 5º, XXXIX, da CF, porquanto a matéria nele versada não seria de natureza penal. Frisou que o referido dispositivo elencaria as únicas sanções aplicáveis aos casos de descumprimento das obrigações, assumidas pelo estabelecimento de ensino superior, depois da assinatura do termo de adesão ao programa, sancionamento este que estaria a cargo do Ministério da Educação, ao qual incumbiria, ainda, o controle e gerenciamento do programa, por se tratar de matéria essencialmente administrativa. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
ADI 3330/DF, rel. Min. Carlos Britto, 2.4.2008. (ADI-3330)

Repercussão Geral e Preliminar Expressa
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão da Presidência da Corte que, ante a inobservância do que disposto no art. 543-A, § 2º, do CPC, que exige a apresentação de preliminar sobre a repercussão geral da matéria constitucional suscitada, não conhecera de recurso extraordinário (RISTF, artigos 13, V, c, e 327). Considerou-se que, na linha da orientação firmada no julgamento do AI 664567 QO/RS (DJU de 6.9.2007), todo recurso extraordinário, interposto de decisão cuja intimação ocorreu após a publicação da Emenda Regimental 21 (DJU de 3.5.2007), deve apresentar preliminar formal e fundamentada da repercussão geral das questões constitucionais nele discutidas. Asseverou-se, ademais, que nem o fato de o tema discutido no recurso extraordinário ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade pendente de julgamento no Plenário, nem o de terem sido sobrestados outros recursos extraordinários até o julgamento desse processo de controle concentrado, afastariam essa exigência legal, não havendo se falar em demonstração implícita de repercussão geral.
RE 569476 AgR/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 2.4.2008. (RE-569476)

ADI e Provimento de Diretoria de Empresas Estatais
O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado de Minas Gerais para dar interpretação conforme a Constituição Federal à alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição estadual, com a redação dada pela EC 26/97 (“Art. 62 - Compete privativamente à Assembléia Legislativa: ... XXIII - aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha: ... d) dos Presidentes das entidades da administração pública indireta, dos Presidentes e Diretores do Sistema Financeiro Estadual;”), para restringir sua aplicação às autarquias e fundações públicas, excluídas as empresas estatais. Considerou-se que, embora as sociedades de economia mista e as empresas públicas prestadoras de serviço público não estejam alcançadas pelo disposto no art. 173 e seus parágrafos, da CF, a intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento de suas diretorias afronta o princípio da harmonia e interdependência entre os poderes. O Min. Marco Aurélio julgou parcialmente procedente o pedido, em maior extensão, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “dos Presidentes das entidades de administração pública indireta”, contida na referida alínea, ao fundamento de que, por não estarem os presidentes das autarquias e fundações públicas submetidos à aprovação do Senado Federal (CF, art. 52, III), não se poderia placitar, tendo em conta o princípio da simetria, essa mesma submissão à Assembléia do Estado, consideradas a autarquia ou a fundação pública estaduais.
ADI 1642/MG, rel. Min. Eros Grau, 3.4.2008. (ADI-1642)

ADI: Composição e Competência da Justiça Militar
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 3º do art. 57, bem como do art. 58, da Constituição do Estado de Goiás, que dispõem sobre a composição e a competência da Justiça Militar daquela unidade federativa. Entendeu-se que os dispositivos impugnados ofendem o art. 125, § 3º, da CF, que atribui à lei ordinária, cuja iniciativa é reservada ao Tribunal de Justiça local, a criação da Justiça Militar estadual. Precedente citado: ADI 725/RS (DJU de 4.9.98).
ADI 471/GO, rel. Min. Eros Grau, 3.4.2008. (ADI-471)

ADI: Questão Tributária e Competência do Tribunal de Contas
Por vislumbrar afronta ao art. 70 da CF, que prevê caber ao Congresso Nacional, mediante controle externo, e ao sistema de controle interno de cada Poder, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado do Paraná para declarar a inconstitucionalidade do § 3º do art. 78 da Constituição estadual que estabelece que as decisões fazendárias de última instância contrárias ao erário serão apreciadas, em grau de recurso, pelo Tribunal de Contas estadual. Entendeu-se não competir ao Legislativo apreciar recursos interpostos contra decisões tomadas em processos administrativos em que se discute questão tributária, nada justificando a atuação, neste campo, do Tribunal de Contas (CF, art. 71). Precedente citado: ADI 461/BA (DJU de 6.9.2002).
ADI 523/PR, rel. Min. Eros Grau, 3.4.2008. (ADI-523)

Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 4
O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra dispositivos da LC 87/97, do Estado do Rio de Janeiro — que “dispõe sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sua composição, organização e gestão, e sobre a Microrregião dos Lagos, define as funções públicas e serviços de interesse comum e dá outras providências” —, e os artigos 8º a 21 da Lei 2.869/1997, do mesmo Estado, a qual trata do regime de prestação do serviço público de transporte ferroviário e metroviário de passageiros, e do serviço público de saneamento básico no mencionado Estado, e dá outras providências — v. Informativos 343 e 418. O Min. Gilmar Mendes, em voto-vista, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão “a ser submetido à Assembléia Legislativa”, do inciso I do art. 5º, além do § 2º do art. 4º; do parágrafo único do art. 5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10, e do § 2º do art. 11, todos da LC 87/97, bem como dos artigos 11 a 21 da Lei 2.869/97, modulando os efeitos da declaração para que só tenha eficácia a partir de 24 meses após a conclusão do presente julgamento, lapso temporal que reputou razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema, constituindo modelo de prestação de saneamento básico, nas áreas de integração metropolitana, dirigido por órgão colegiado, com participação dos municípios pertinentes e do próprio Estado do Rio de Janeiro.
ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)

Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 5
O Min. Gilmar Mendes, inicialmente, na linha dos votos precedentes, afastou a preliminar de inépcia da inicial, e julgou prejudicada a ação quanto ao Decreto 24.631/98, acompanhando a divergência inaugurada pelo Min. Joaquim Barbosa no que se refere ao prejuízo da ação apenas quanto aos artigos 1º, caput e § 1º; 2º, caput; 4º, caput e incisos I a VII; e 11, caput e incisos I a VI; e 12, todos da LC 87/97. Quanto ao mérito, o Min. Gilmar Mendes concluiu que todos os dispositivos que condicionam a execução da integração metropolitana ao exclusivo crivo de autoridade estadual são inconstitucionais. Afirmou que a expressão “a ser submetido à Assembléia Legislativa” do inciso I do art. 5º, além do parágrafo único do art. 5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10, todos da LC 87/97 são inconstitucionais por não pressuporem o poder decisório da integração metropolitana no âmbito do colegiado de municípios integrantes e do estado federado, como os Conselhos Deliberativos criados nos artigos 4º e 11 da LC 87/97. Quanto aos artigos 11 a 21 da Lei 2.869/97, aduziu que a estrutura de saneamento básico para o atendimento de região metropolitana retira dos municípios qualquer poder de decidir, concentrando no Estado do Rio de Janeiro todos os elementos executivos, inclusive a condução da específica Agência Reguladora e a fixação das tarifas dos serviços das concessionárias. Ressaltou, no ponto, que a titularidade do serviço de saneamento básico, relativamente à distribuição de água e coleta de esgoto, é qualificada por interesse comum e deve ser concentrada na Região Metropolitana e na Microrregião, nos moldes do art. 25, § 3º, da CF, observando a condução de seu planejamento e execução por decisões colegiadas dos municípios envolvidos e do Estado do Rio de Janeiro. Acrescentou, ainda, a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º do art. 4º, e do art. 11 da LC 87/97, que condicionam a execução dos respectivos Conselhos Deliberativos “à ratificação pelo Governador do Estado”.
ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)

Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 6
Em suma, o Min. Gilmar Mendes entendeu que o serviço de saneamento básico, no âmbito de regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos, constitui interesse coletivo que não pode estar subordinado à direção de único ente, mas deve ser planejado e executado de acordo com decisões colegiadas em que participem tanto os municípios compreendidos como o estado federado. Frisou que, nesses casos, o poder concedente do serviço de saneamento básico nem permanece fracionado entre os municípios, nem é transferido para o estado federado, mas deve ser dirigido por estrutura colegiada, instituída por meio da lei complementar estadual que cria o agrupamento de comunidades locais, em que a vontade de um único ente não seja imposta a todos os demais entes políticos participantes. Assim, esta estrutura deve regular o serviço de saneamento básico de forma a dar viabilidade técnica e econômica ao adequado atendimento do interesse coletivo. Ressaltou, por fim, que a mencionada estrutura colegiada pode ser implementada tanto por acordo, mediante convênios, quanto de forma vinculada, na instituição dos agrupamentos de municípios, e a instituição de agências reguladoras pode se provar como forma bastante eficiente de estabelecer padrão técnico na prestação e concessão coletivas do serviço e saneamento básico. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.
ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)

Serviços de Água e Saneamento Básico - 3
O Tribunal retomou julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT contra dispositivos da Constituição do Estado da Bahia, na redação dada pela Emenda Constitucional 7/99 — v. Informativos 166 e 418. O Min. Gilmar Mendes, em voto-vista, na linha do que expôs no julgamento acima mencionado, acompanhou o voto do Min. Ilmar Galvão, relator, para suspender a expressão “assim considerados aqueles cuja execução tenha início e conclusão no seu limite territorial, e que seja realizado, quando for o caso, exclusivamente com seus recursos naturais”, do inciso V do art. 59 e do caput do art. 228 da Constituição estadual, declarando a subsistência das normas ordinárias editadas e dos atos administrativos implementados na forma dos dispositivos suspensos, até o julgamento definitivo da presente ação. Considerou pertinente ponderar que as alterações promovidas pela EC 7/99 sustentariam atos legislativos e administrativos que seriam indispensáveis para a continuidade da prestação do serviço de saneamento básico. Assim, a suspensão dos referidos dispositivos constitucionais, sem ressalvar a legislação ordinária editada e eventuais contratos de concessão, poderia resultar na imediata interrupção do serviço público de saneamento básico, com graves conseqüências para a população e para a saúde pública. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.
ADI 2077 MC/BA, rel. Min. Ilmar Galvão, 3.4.2008. (ADI-2077)


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Primeira Turma

Crime Continuado e Reunião de Feitos - 3
A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que advogado, denunciado por suposta obtenção fraudulenta de benefícios junto ao INSS (CP, artigos 71, § 3º; 299 e 304), pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos crimes imputados, bem como a reunião de mais de 500 processos em curso contra ele — v. Informativo 495. Em votação majoritária, deferiu-se parcialmente a ordem para determinar que os processos instaurados contra o paciente sejam submetidos ao mesmo juízo prevento. Asseverou-se que, relativamente à reunião dos feitos com base nas conexões subjetiva e probatória, se o juiz natural da causa reputara não ser conveniente a reunião dos processos em uma única ação, não caberia ao STF, em habeas corpus, substituir-se ao órgão julgador para afirmar o contrário. Além disso, enfatizou-se que, desde que submetidos ao mesmo juízo, o magistrado pode utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe a regra contida no art. 80 do CPP (“Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”). Observou-se, no entanto, que embora a conexão não implique, necessariamente, a reunião dos feitos em um único processo, eles devem ser submetidos à competência do mesmo juízo prevento. De outro lado, quanto à alegada inviabilização do direito de ampla defesa do paciente, entendeu-se que a multiplicidade de ações penais não constituiria, por si só, obstáculo ao exercício dessa garantia, não podendo o vício em questão ser invocado em situações abstratas. Vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que deferiam o writ em maior extensão para fulminar os processos em curso e assentar que apenas um deveria merecer a seqüência cabível. O Min. Carlos Britto reajustou o voto proferido em 19.2.2008.
HC 91895/SP, rel. Min. Menezes Direito, 1º.4.2008. (HC-91895)

Prisão Preventiva e Progressão de Regime
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado pela prática dos crimes de quadrilha, falsidade ideológica, coação no curso do processo e favorecimento pessoal, preso preventivamente desde meados de 2004, reitera as alegações de excesso de prazo da custódia e ausência de fundamentação na sentença condenatória. A Min. Cármen Lúcia, relatora, indeferiu o writ, no que foi acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Inicialmente, aplicou a jurisprudência da Corte no sentido de que, com a superveniência da sentença condenatória, que constitui novo título da prisão, encontra-se superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo. Entendeu que, com o julgamento da apelação interposta pelo paciente, além de prejudicada a matéria concernente à excessiva demora na apreciação daquele recurso, também não haveria mais que se discutir eventual falta de motivação da sentença condenatória, a qual fora substituída pelo acórdão de apelação. A relatora informou, ainda, que na presente impetração não houvera a formulação de pedido específico quanto a possíveis benefícios referentes à execução da pena. Assentou que, não obstante o paciente tivesse sustentado seu direito à progressão de regime e ao livramento condicional, poder-se-ia concluir que o tema fora suscitado somente a título de evidência do alegado excesso de prazo da prisão. No ponto, considerou não caber a concessão da ordem, de ofício, uma vez que as instâncias antecedentes decidiram corretamente ao deixar de analisar o pleito de progressão, enfatizando que, já tendo sido extraída guia de execução provisória da sentença, caberia ao paciente requerer aquele benefício, originariamente, ao juízo das execuções criminais, sob pena de supressão de instância. Por outro lado, aduziu que o exame dos requisitos para a concessão dos benefícios da progressão de regime de cumprimento da pena, ou mesmo livramento condicional, ultrapassaria os limites da via eleita. Após o voto do Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por vislumbrar excesso de prazo, pediu vista o Min. Carlos Britto.
HC 93443/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.4.2008. (HC-93443)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que restabelecera a condenação do paciente ao fundamento de que, para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, não seria exigível que a arma de fogo fosse periciada ou apreendida, desde que comprovado, por outros meios, que fora devidamente utilizada para intimidar a vítima. No caso, o paciente ingressara, com arma de fogo na cintura, em estabelecimento comercial e, subjugando funcionária, subtraíra valores. A impetração requer a manutenção da pena imposta pelo tribunal de origem, ao argumento de que seria indispensável a apreensão e a perícia da arma para aferição da mencionada causa de aumento. Sustenta que a potencialidade lesiva desse instrumento não poderia ser atestada por outros elementos de prova contidos nos autos. A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu o writ para anular o referido acórdão do STJ e restabelecer a condenação do paciente pelo crime de roubo, descrito no art. 157, caput, do CP. Entendeu que o emprego de arma de fogo simulada, ineficiente, descarregada ou arma de brinquedo não poderia constituir causa especial de aumento de pena na prática do roubo, embora pudesse servir de instrumento de intimidação. Asseverou ser incabível dar ao objeto “arma” alcance extensivo, diverso daquele que a caracteriza como instrumento capaz de lesar a integridade física de alguém, sob pena de se atribuir à majorante interpretação diversa para conseqüente aplicação extensiva, proibida no Direito Penal. Assim, enfatizou que, se a arma não for apreendida para fins de perícia ou não for possível atestar a sua potencialidade lesiva por outros meios de prova, como ocorrera na espécie, não teria a acusação como fazer prova da idoneidade da arma. Nessas condições, considerou que a aludida arma deveria ser reputada inidônea à ofensividade exigida pela norma, e, ainda, ineficaz à causação efetiva ou potencial de dano, o que impediria a incidência da causa de aumento disposta no inciso I do § 2º do art. 157 do CP. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.
HC 92871/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.4.2008. (HC-92871)

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Segunda Turma

Correição Parcial e Descabimento da Via Recursal - 1
Por vislumbrar patente constrangimento ilegal, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, ante a inexistência de previsão legal para a interposição de recurso em sentido estrito (CPP, art. 581), reputara adequada a utilização, pelo Ministério Público estadual, de “reclamação” para impugnar decisão judicial concessiva de prisão domiciliar. Considerou-se que, abstraídas as questões de fundo debatidas no presente recurso, a saber, o teórico cabimento de custódia domiciliar em se tratando de réu ainda não apenado e, na seqüência, o exame da gravidade da doença que acometeria o ora recorrente, a indicar o aconselhamento da medida, o recurso deveria ser acolhido por motivo diverso, por se constatar o descabimento da via recursal eleita pelo parquet em face à decisão do juízo de primeiro grau, consistente no deferimento do direito de prisão domiciliar ao paciente.
RHC 91293/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RHC-91293)

Correição Parcial e Descabimento da Via Recursal - 2
Ressaltando que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro cassara o aludido benefício mediante a incidência do art. 210 de seu regimento interno [“São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou do Órgão do Ministério Público, as omissões dos Juízes e os despachos irrecorríveis por eles proferidos que importem em inversão da ordem legal do processo ou resultem de erro de ofício ou abuso de poder (CODJERJ, art. 219)”], esclareceu-se que o referido dispositivo cuidaria do instituto da “correição parcial”, conceitualmente abordada como meio de impugnação de despachos tumultuários emitidos pelo juiz, o que não se aplicaria à decisão que permitira ao réu o cumprimento da prisão preventiva em domicílio, uma vez que nada indicaria houvesse o magistrado promovido a inversão da ordem processual em desacordo com a lei. No ponto, asseverou-se que se trataria de decisão interlocutória não contemplada nos taxativos permissivos arrolados no art. 581 do CPP, o qual não comporta interpretação extensiva. Aduziu-se que entendimento diverso permitiria ao regimento interno do tribunal a criação de recurso que, além de não contemplado na lei processual penal, com ela se mostraria conflitante, abrindo nova via recursal em face de toda e qualquer manifestação do juízo, mesmo que seu provimento resultasse em prejuízo ao réu. RHC provido para restabelecer o decisório de primeira instância, possibilitando, com isso, a permanência do recorrente em prisão domiciliar, se e enquanto o juízo monocrático reputar cabível a medida.
RHC 91293/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RHC-91293)

Júri: Cerceamento de Defesa e Juntada de Documentos
A impossibilidade de realização ampla do contraditório e do direito de defesa do paciente, com todos os meios a ela inerentes, é causa inconteste de nulidade absoluta. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para que novo julgamento seja realizado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Sumaré, com a possibilidade de leitura dos documentos cuja juntada, formulada pela defesa nos três dias anteriores à sessão de julgamento, restara denegada pelo magistrado. No caso, o pleito de juntada de novos documentos fora deduzido em 15.4.2002, sendo que a aludida sessão perante o tribunal do júri estava designada para 18.4.2002. Ocorre que o juízo de primeiro grau reputara não atendido o prazo do art. 475 do CPP (“Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento que não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de três dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante do processo.”). Considerou-se ilegal esse indeferimento. Asseverou-se que, conforme demonstrado nos autos, a defesa apresentara os documentos três dias antes da data designada para o julgamento e que, dessa forma, bastava dar ciência, naquele mesmo dia, à acusação e a sua assistência, de que a defesa realizaria sua leitura, ainda que tal ciência se desse por simples despacho nos autos ou que se determinasse que os advogados do réu providenciassem a mencionada comunicação. Aduziu-se que, na espécie, o ato questionado não fora praticado em error in procedendo, mas sim em error in judicando, uma vez que se impedira a juntada de documentos para a leitura em plenário, com base em intempestividade que não ocorrera. Assim, caracterizado o alegado cerceamento à defesa do paciente, principalmente no que tange a sua participação na formação da prova. Ademais, enfatizou-se que não importaria o efeito que a leitura desses documentos causaria nos jurados durante a sessão de julgamento. A defesa tinha, independentemente da relevância do seu conteúdo, o direito de ler aqueles documentos em plenário e, portanto, tentar influenciar na decisão final dos jurados. Concluiu-se que ofende o interesse público uma decisão proferida sem que todas as provas existentes sejam submetidas ao conhecimento do órgão julgador.
HC 92958/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.4.2008. (HC-92958)

Concurso Público e Cargo de Professor Titular - 1
A Turma julgou procedente pedido formulado em reclamação ajuizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ em face de acórdão do STJ que, em recurso especial, assentara que o acesso ao cargo de professor titular poderia ocorrer por mera promoção. No caso, o ora interessado pretendia ocupar vaga deixada pela aposentadoria de professor titular, sustentando a existência de direito subjetivo decorrente de sua aprovação em concurso público no qual obtivera o título de livre docência, posteriormente reclassificado como professor adjunto. Entendeu-se que o acórdão impugnado violou a autoridade da decisão proferida pela 1ª Turma do Supremo no RE 153371/RJ (DJU de 3.12.99), que afastara a alegação de ofensa ao art. 206, V, da CF, por norma local que exigisse concurso público específico para investidura no cargo isolado de professor titular, paralelamente à existência da carreira docente que se iniciava no cargo de professor auxiliar e estendia-se até o de professor adjunto. Inicialmente, fixou-se a competência da 2ª Turma para apreciar o feito, tendo em conta que a autoridade da decisão que se desejava preservar seria oriunda de acórdão fracionário da Corte (RISTF, art. 9º, I, c) e que a composição da 1ª Turma fora alterada com as aposentadorias dos Ministros Moreira Alves — antecessor do Min. Joaquim Barbosa e a quem distribuída a presente reclamação ante sua relatoria no extraordinário questionado —, Octavio Gallotti e Ilmar Galvão (RISTF, artigos 10, § 3º e 70). Ressaltou-se que o único membro remanescente da antiga composição da 1ª Turma seria o Min. Celso de Mello, mas este não participara daquele julgamento.
Rcl 2280/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.4.2008. (Rcl-2280)

Concurso Público e Cargo de Professor Titular - 2
Preliminarmente, considerou-se que o trânsito em julgado do acórdão reclamado não prejudicaria o exame desta reclamação, haja vista que apresentada em momento oportuno, enquanto ainda tramitava o processo no âmbito do STJ. Ademais, salientou-se que compete ao Supremo zelar pela máxima efetividade de suas decisões. No mérito, registrou-se que, se a 1ª Turma reputara recepcionada a legislação que previa a exigência de concurso específico para ingresso na carreira de professor titular, não poderia o acórdão reclamado tê-la afastado, a pretexto de julgar aplicável, à espécie, determinada lei. Aduziu-se que eventual contrariedade entre normas estadual e federal resolve-se em prévio juízo de constitucionalidade, por invasão de competência da União para estabelecer normas gerais (CF, art. 24, IX e § 4º) ou para estabelecer privativamente as diretrizes e bases da educação (CF, art. 22, XXIV). Ademais, enfatizou-se que o STJ não suscitara argüição de inconstitucionalidade. Pedido julgado procedente para cassar o acórdão prolatado pelo STJ nos autos do REsp 8290/RJ (DJU de 18.12.2000), a fim de que outro seja proferido, com a observância do quanto decidido pela Corte durante o julgamento do RE 153371/RJ. Por fim, asseverou-se que todos os atos decisórios praticados com base no acórdão que ora se cassa também perderão seus efeitos.
Rcl 2280/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.4.2008. (Rcl-2280)

Ação Civil Pública e Legitimidade do Ministério Público
A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a legitimidade do Ministério Público estadual para propor ação civil pública para impugnar majoração supostamente abusiva da tarifa de transporte coletivo público. O Min. Gilmar Mendes, relator, deu provimento ao recurso e assentou o cabimento da ação civil pública, ajuizada pelo parquet com base nos artigos 127, caput e 129, III, ambos da CF, assim como da Lei 7.437/85 e na Lei 8.625/93, com o objetivo de impugnar a ilegalidade do reajuste de tarifas de transporte público urbano. Considerou que a mencionada ação estaria voltada à proteção dos usuários (consumidores) do transporte coletivo público, indeterminados, o que faria transparecer o interesse difuso em jogo, tal como definido pelo art. 81, I, do CDC. Ademais, esclareceu que não se estaria diante de tributo, mas de preço público cobrado como contraprestação ao serviço de transporte público urbano. De outro lado, rejeitou a tese utilizada no acórdão recorrido, de que o Poder Judiciário não poderia se pronunciar sobre o assunto. Enfatizou que, no caso, tratar-se-ia de controle da legalidade dos atos e contratos firmados pelo Poder Público municipal para a prestação à população dos serviços de transporte público urbano. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Eros Grau.
RE 228177/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RE-228177)

Quebra de Sigilo Bancário - 2
A Turma, por maioria, proveu agravo regimental interposto pela União contra decisão proferida pelo Min. Carlos Velloso que, dando provimento a recurso extraordinário do qual relator, assentara a necessidade de autorização judicial na hipótese de quebra de sigilo bancário com base em procedimento administrativo fiscal, sob pena de ofensa ao direito à privacidade (CF, art. 5º, X) — v. Informativo 329. Inicialmente, salientou-se que a controvérsia seria anterior à edição da Lei Complementar 105/2001, que permite às “autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ... examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente” (art. 6º). Asseverou-se que, na espécie, a questão limitar-se-ia à aplicação do art. 8º da Lei 8.021/90, que possibilita a obtenção de dados bancários da agravada, independentemente de autorização judicial (“Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964.”), cuja constitucionalidade ainda não fora apreciada pelo STF, o que tornaria inadequada a aplicação do art. 557, § 1º-A, do CPC. Entendeu-se que, dada a importância do tema, o recurso extraordinário deveria ser analisado pelo Pleno de forma ampla e irrestrita, inclusive possibilitando a sustentação oral das partes. Vencido o Min. Carlos Velloso que mantinha os fundamentos da decisão agravada. Regimental provido para anular a decisão monocrática e remeter o recurso extraordinário para julgamento do Plenário desta Corte.
RE 261278 AgR/PR, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RE-261278)

Fornecimento de Água e Esgoto e Remuneração
A Turma, acolhendo proposta suscitada pelo Min. Eros Grau, deliberou remeter ao plenário julgamento de recurso extraordinário, do qual relator, em que se discute se o fornecimento de água e esgoto constitui prestação a ser remunerada mediante o pagamento de taxa ou de tarifa. O Departamento Municipal de Água e Esgotos - DMAE, ora recorrente, sustenta, na espécie, que o mencionado serviço de água seria remunerado pelo pagamento de tarifa, razão pela qual o instituto da prescrição tributária não incidiria sobre o direito de cobrá-la.
RE 518256/RS, rel. Min. Eros Grau, 1º.4.2008. (RE-518256)

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 2.4.2008 31.3 e 3.4.2008 181
1ª Turma 1º.4.2008 —— 38
2ª Turma 1º.4.2008 —— 383


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Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Crime de Receptação - Cominação Penal - Ofensa ao Princípio da Proporcionalidade (Transcrições)

HC 92525 MC/RJ*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: RECEPTAÇÃO SIMPLES (DOLO DIRETO) E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (DOLO INDIRETO EVENTUAL). COMINAÇÃO DE PENA MAIS LEVE PARA O CRIME MAIS GRAVE (CP, ART. 180, “CAPUT”) E DE PENA MAIS SEVERA PARA O CRIME MENOS GRAVE (CP, ART. 180, § 1º). TRANSGRESSÃO, PELO LEGISLADOR, DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO “IN ABSTRACTO” DA PENA. LIMITAÇÕES MATERIAIS QUE SE IMPÕEM À OBSERVÂNCIA DO ESTADO, QUANDO DA ELABORAÇÃO DAS LEIS. A POSIÇÃO DE ALBERTO SILVA FRANCO, DAMÁSIO E. JESUS E DE CELSO, ROBERTO, ROBERTO JÚNIOR E FÁBIO DELMANTO. A PROPORCIONALIDADE COMO POSTULADO BÁSICO DE CONTENÇÃO DOS EXCESSOS DO PODER PÚBLICO. O “DUE PROCESS OF LAW” EM SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA (CF, ART. 5º, INCISO LIV). DOUTRINA. PRECEDENTES. A QUESTÃO DAS ANTINOMIAS (APARENTES E REAIS). CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO. INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE. EXCEPCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO, SEMPRE QUE POSSÍVEL, PELO PODER JUDICIÁRIO, DA INTERPRETAÇÃO CORRETIVA, AINDA QUE DESTA RESULTE PEQUENA MODIFICAÇÃO NO TEXTO DA LEI. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 84):

“‘HABEAS CORPUS’. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. INCONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS. PRETENSÃO A SER APURÁVEL POR COGNIÇÃO PLENA. EXAME FÁTICO. FASE EXECUTÓRIA. REVISÃO CRIMINAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
1. O remédio de ‘habeas corpus’ não se presta a contraditar a decisão condenatória, porquanto não permite o reexame do material cognitivo, cabendo ao procedimento de cognição plena fazê-lo em toda a extensão requerida.
2. Segundo orientação pacífica desta Corte, não tem fundamento a alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal, porquanto ele descreve conduta apurável em tipo penalmente relevante.
3. A nulificação do processo pelo cerceamento de defesa deve ser atestada somente com a comprovação do efetivo prejuízo ao réu.
Ordem denegada.”
(HC 49.444/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – grifei)

Dentre os vários fundamentos que dão suporte à presente impetração, há um que se refere à alegada inconstitucionalidade do preceito secundário sancionador inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 9.426/96 (fls. 17/23).
Tenho por relevante esse fundamento, que sustenta a inconstitucionalidade em referência com apoio em alegada ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois não se mostra razoável punir mais severamente uma conduta que revela índice de menor gravidade.
Cumpre ter presente, no exame dessa questão, a advertência feita por ALBERTO SILVA FRANCO (“Código Penal e a sua interpretação jurisprudencial”, vol. 2/2969, item n. 10.00, 7ª ed., 2001, RT):

“Ora, tendo-se por diretriz o princípio da proporcionalidade, não há como admitir, sob o enfoque constitucional que o legislador ordinário estabeleça um preceito sancionatório mais gravoso para a receptação qualificada quando o agente atua com dolo eventual e mantenha, para a receptação do ‘caput’ do art. 180, um comando sancionador sensivelmente mais brando quando, no caso, o autor pratica o fato criminoso com dolo direto. As duas dimensões de subjetividade ‘dolo direto’ e ‘dolo eventual’ podem acarretar reações penais iguais, ou até mesmo, reações penais menos rigorosas em relação ao ‘dolo eventual’. O que não se pode reconhecer é que a ação praticada com ‘dolo eventual’ seja três vezes mais grave - é o mínimo legal que detecta o entendimento do legislador sobre a gravidade do fato criminoso - do que quase a mesma atividade delituosa, executada com dolo direto. Aí, o legislador penal afrontou, com uma clareza solar, o princípio da proporcionalidade.” (grifei)

Essa mesma crítica é também revelada por eminentes doutrinadores (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 555, 7ª ed., 2007, Renovar), que igualmente vislumbram a existência, no preceito sancionador inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, de transgressão ao princípio constitucional da proporcionalidade, eis que não tem sentido infligir punição mais gravosa à receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º), que supõe, em sua configuração típica, mero dolo indireto eventual, e impor sanção penal mais branda à receptação simples (CP, art. 180, “caput”), cuja tipificação requer dolo direto, como adverte, em preciso magistério, DAMÁSIO E. DE JESUS (“Direito Penal”, vol. 2/490-494, item n. 9, “e”, 23ª ed., 2000, Saraiva, v.g.):

“(...) O § 1º do art. 180 do CP, com redação da Lei n° 9.426/96, descrevendo crime próprio, pune o comerciante ou industrial que comete receptação, empregando a expressão ‘que deve saber ser produto de crime’. Como o ‘caput’ prevê o conhecimento pleno (‘coisa que sabe ser produto de crime’), que a doutrina e a jurisprudência conectam ao dolo direto, e o § 3° descreve a forma culposa, o § 1º só pode tratar de crime doloso com o chamado conhecimento parcial da origem ilícita da coisa (dúvida, insegurança, incerteza), que a doutrina liga ao dolo eventual (ou à culpa). Se o § 1° definisse modalidade culposa, a figura típica nele contida não teria sentido em face do § 3°, que enuncia o crime culposo. Dessa forma, de acordo com a lei nova, se o comerciante devia saber que a coisa era produto de crime (dúvida, incerteza, desconfiança, dolo eventual), a pena é de 3 a 8 anos de reclusão (§ 1°). E se sabia, i. e., se tinha pleno conhecimento? O fato não se encontra ‘especificamente’ descrito no ‘caput’ ou no § 1°.
Haverá, no mínimo, cinco orientações:

1ª) se o comerciante ou industrial, presentes as elementares do tipo, ‘sabia’ que o objeto material era produto de crime, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180), levando-se em conta que o § 1° só prevê o ‘devia saber’. Se ‘sabia’, o fato é atípico diante do § 1°, que exige o elemento subjetivo do tipo ‘deve saber’ (princípio da legalidade ou da reserva legal). Se não sabia, embora devendo saber, aplica-se o § 1°;
2ª) o fato é absolutamente atípico, uma vez que o crime próprio de receptação de comerciante ou industrial encontra-se descrito no § 1°, que não prevê o elemento subjetivo do tipo ‘sabe’. Assim, o fato não se enquadra no ‘caput’ nem no § 1°;
3ª) o fato adapta-se ao § 1°, que abrange o ‘sabe’ (dolo direto para a doutrina) e o ‘deve saber’ (dolo indireto eventual): se a lei pune o fato menos grave com o mínimo de 3 anos de reclusão (‘deve saber’), não seria crível que o de maior gravidade (‘sabe’) fosse atípico ou punido com pena menor (1 ano de reclusão). O ‘deve saber’ não pode ser entendido como indicativo somente de dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando que a origem criminosa do objeto material ingressou na esfera de consciência do receptador, abrangendo o conhecimento pleno (‘sabe’) e o parcial (dúvida, desconfiança);
4ª) o tipo do § 1° deve ser totalmente desconsiderado porque ofende o princípio constitucional da proporcionalidade: se aplicado, ‘sabendo’ o comerciante ou industrial que a coisa se origina de crime (delito mais grave), a pena é de 1 a 4 anos de reclusão (‘caput’ do art. 180); ‘devendo saber’ (infração de menor gravidade), de 3 a 8 anos (§ 1°). Assim, consciente da origem delituosa do objeto material, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180); se ‘devia saber’, aplica-se a forma culposa (§ 3°), conforme pacífica jurisprudência anterior à lei;
5ª) concorda com a posição anterior, desconsiderando, contudo, somente o preceito secundário do § 1° do art. 180, permanecendo a definição do crime próprio do comerciante (preceito primário). Se ‘sabia’, aplica-se o ‘caput’; se ‘devia saber’, amolda-se o fato ao § 1°, com a pena do ‘caput’, cortando-se o excesso. A diferenciação pessoal e subjetiva é considerada pelo juiz na fixação da pena concreta.
A primeira orientação não pode ser aceita. Se o comerciante ‘sabia’, a pena é de 1 a 4 anos de reclusão; se ‘devia saber’, de 3 a 8 anos. O fato menos grave é apenado mais severamente.
A segunda posição carece de fundamento. A afirmação de que a conduta, consciente o comerciante ou industrial da origem ilícita do objeto material, é absolutamente atípica despreza o processo de atipicidade relativa: é atípica em face do § 1° (delito próprio), porém a incriminação subsiste diante da redação prevista no ‘caput’ (crime comum). A ausência da elementar desloca a adequação típica para outra figura.
O terceiro posicionamento desrespeita o princípio da tipicidade, uma vez que não distingue o sabe do deve saber. O ‘deve saber’, para essa orientação, inclui o ‘sabe’, o que é de todo improcedente, uma vez que constitui tradição de nossa doutrina, como vimos, ligar o ‘deve saber’ ao dolo eventual ou à culpa, categorias psicológico-normativas de censurabilidade menor.
A quarta orientação somente peca porque desconsidera totalmente o § 1°.
Preferimos a quinta orientação, para nós a menos pior, tendo em vista que a lei nova veio para confundir, não para esclarecer: o preceito secundário do § 1° deve ser desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individuali­zação legal da pena. Realmente, nos termos das novas redações, literalmente interpretadas, se o comerciante devia saber da proveniência ilícita do objeto material, a pena é de reclusão, de 3 a 8 anos (§ 1°); se sabia, só pode subsistir o ‘caput’, com reclusão de 1 a 4 anos. A imposição de pena maior ao fato de menor gravidade é inconstitucional, desrespeitando os princípios da harmonia e da proporcionalidade.
......................................................
A elaboração da norma penal incriminadora não pode subtrair-se à obediência aos preceitos constitucionais. Cumpria, pois, à Lei n° 9.426/96, ter como parâmetro o princípio da proporcionalidade entre o fato cometido e a gravidade da resposta penal, pois é nesse momento, o da individualização legislativa da pena (CF, art. 5°, XLVI), que a proporcionalidade apresenta fundamentalmente a sua eficácia (...).
.......................................................
Se a pena, abstrata ou concreta, de quem ‘sabe’ é mais censurável do que a do sujeito que ‘devia saber’, sendo comum no sistema da legislação penal brasileira descrever as duas situações subjetivas no mesmo tipo, não podia a Lei n° 9.426/96, ferindo o princípio da proporcionalidade, inserir o ‘devia saber’, de menor censurabilidade, em figura autônoma (§ 1º), com pena de 3 a 8 anos de reclusão, subsistindo o ‘sabia’, de menor reprovabilidade, no ‘caput’, com pena de 1 a 4 anos. A proporcionalidade, que indica equilíbrio, foi ferida. (...).” (grifei)

Vê-se, das lições ora expostas, que o legislador brasileiro - ao cominar pena mais leve a um delito mais grave (CP, art. 180, “caput”) e ao punir, com maior severidade, um crime revestido de menor gravidade (CP, art. 180, § 1º) - atuou de modo absolutamente incongruente, com evidente transgressão ao postulado da proporcionalidade.
Impende advertir, neste ponto, que o Poder Público, especialmente em sede de tipificação e cominação penais, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.
Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Entendo, por isso mesmo, que a tese exposta nesta impetração revela-se juridicamente plausível, especialmente se se considerar a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que já assentou, a propósito do tema, a orientação de que transgride o postulado do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), analisado em sua dimensão material (“substantive due process of law”), a regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa (especialmente aquela de índole penal) - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A validade das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como a liberdade) - passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação normativa do Poder Legislativo.
A essência do “substantive due process of law” reside na necessidade de conter os excessos do Poder, quando o Estado edita legislação que se revele destituída do necessário coeficiente de razoabilidade, como parece ocorrer na espécie ora em exame.
Isso significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
Daí a advertência de CAIO TÁCITO (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do desvio de poder legislativo impõe o reconhecimento de que a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de harmonia com padrões de razoabilidade.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Em suma: a norma estatal, que veicule qualquer conteúdo de irrazoabilidade (como ocorreria no caso em exame), transgride o princípio do devido processo legal, examinado este na perspectiva de sua projeção material (“substantive due process of law”).
Essa cláusula tutelar dos direitos, garantias e liberdades, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador, como esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Nem se diga, de outro lado, que o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, estaria excedendo os limites materiais de sua função jurisdicional.
Na verdade, esta Suprema Corte, adstringindo-se aos estritos limites de sua competência constitucional, já decidiu, em contexto no qual se discutia a ocorrência, ou não, de antinomia real (ou insolúvel), insuscetível, portanto, de superação pelos critérios ordinários (critério cronológico, critério hierárquico e critério da especialidade), que se revelava legítima a utilização, embora excepcional, da interpretação ab-rogante, quando absoluta (e insuperável) a relação de antagonismo entre dois preceitos normativos, hipótese em que, adotado esse método extraordinário, “ou o intérprete elimina uma das normas contraditórias (ab-rogação simples) ou elimina as duas normas contrárias (ab-rogação dupla)” (RTJ 166/493, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES).
Ao julgar o HC 68.793/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES, a colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apoiando-se no magistério de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 100/103, 1989, Polis/Editora Unb), assinalou que a interpretação ab-rogante, porque excepcional, deve ser ordinariamente afastada, preferindo-se, a ela, quando conciliáveis os dispositivos antinômicos (antinomia aparente), a denominada “(...) interpretação corretiva, que conserva ambas as normas incompatíveis por meio de interpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a incompatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de parcial modificação no texto da lei” (RTJ 166/493 – grifei).
Em conseqüência desse entendimento, e buscando viabilizar “a eliminação da incompatibilidade”, o Supremo Tribunal Federal (cuidava-se, então, de regras normativas constantes da Lei dos Crimes Hediondos), mediante exegese restritiva das normas legais em exame, promoveu uma conciliação sistemática dos preceitos legais, “(...) deixando ao primeiro, a fixação da pena (...) e ao segundo, a especialização do tipo do crime (...)” (RTJ 166/493), na linha do que se preconiza nas lições que venho de referir, que propõem, para solução do conflito, a subsistência do preceito primário consubstanciado no § 1º do art. 180 do Código Penal, embora aplicando-se-lhe o preceito sancionador (preceito secundário) inscrito no “caput” do referido art. 180 do CP.
Os aspectos que venho de ressaltar permitem-me reconhecer, embora em juízo de sumária cognição, a ocorrência, na espécie, do requisito pertinente à plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelo impetrante.
Concorre, por igual, o pressuposto concernente ao “periculum in mora” (fls. 23).
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a eficácia da condenação penal imposta ao ora paciente nos autos do Processo-crime nº 99.001.155943-4 (14ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 49.444/RJ), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Apelação Criminal nº 1.872/2001) e ao MM. Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 99.001.155943-4).
Publique-se.
Brasília, 31 de março de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJE de 3.4.2008

Prisão Preventiva e Direitos Fundamentais (Transcrições)

(v Informativo 495)

HC 91386/BA*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Voto: Nesta impetração, a defesa alega, em síntese, falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva.
O parecer do Ministério Público Federal (MPF) (fls. 654-664), da lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, é pela denegação da ordem, nos seguintes termos:

“3. O parecer é pela denegação da ordem.
4. O Paciente e outras 45 (quarenta e cinco) pessoas tiveram as prisões preventivas decretadas nos autos do Inquérito nº 544/BA (fls. 369/370), por integrarem robusta e articulada organização criminosa com finalidade precípua de desviar recursos públicos federais e estaduais destinados à execução de obras públicas, mediante fraudes em contratos licitatórios e prática de diversos crimes (peculato, corrupção de servidores públicos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, dentre inúmeros outros), visando garantir o direcionamento das verbas para obras de interesse da organização, ou então, obter êxito na liberação do pagamento de obras fraudulentas (superfaturadas ou ‘fantasmas’).
5. Os fatos relativos aos presentes autos foram minuciosamente relatados pela Ministra Eliana Calmon ao decretar a prisão preventiva do ora Paciente, sendo assim expostos:
‘(...)
A partir das provas colhidas pela autoridade policial, em minucioso trabalho de inteligência, contando-se, para tanto, com as novas técnicas autorizadas em lei na apuração de delitos cometidos por organização criminosa, foi possível apurar o poder de corrupção de um grupo que foi crescendo em número de componentes. Atualmente, acha-se dividido em três níveis organizacionais:
a) o primeiro nível está representado pelos personagens ligados à Construtora GAUTAMA, empresa que aparece como o eixo de todos os acontecimentos delitivos, a partir da atuação do seu sócio-diretor, ZULEIDO SOARES VERAS;
b) no segundo nível estão os auxiliares e intermediários do primeiro grupo, pessoas incumbidas de, sorrateiramente, obter informações, estabelecer contato com agentes públicos e, mediante oferecimento de vantagens, em corrupção escancarada e poderosa, infiltrar a organização nos meandros burocráticos e financeiros do Estado. São eles os intermediários da ‘propina’;
c) no terceiro e último nível estão os agentes públicos municipais, estaduais [caso do ora paciente] e federais que, no contexto dos objetivos da organização, têm como principal função remover os óbices que se apresentam na consecução das atividades criminosas. Alguns têm atuação destacada em termos de qualidade participativa, estando sempre presentes, enquanto outros têm participação menos relevante, mais discreta.
O Ministério Público Federal, na peça representativa, bem delineou a participação delitiva dos integrantes do segundo e terceiro níveis, classificando sua atuação em direta e efetiva ou indireta e periférica. Vejamos (fl. 10):
A atuação dos agentes públicos, que compõem o segundo e terceiro níveis da organização, pode ser classificada em direta e efetiva ou periférico e indireto, de acordo com o grau de comprometimento com a atividade-fim. Essa noção é importante também para a compreensão dos atos atribuídos às autoridades com prerrogativa de foro.
Na primeira situação, estão aqueles que, cientes dos fins almejados pela quadrilha, atuam efetiva e intensamente em suas áreas para garantir a prática criminosa. Seus atos são indissociáveis das ações centrais dos demais integrantes da organização criminosa. Na segunda situação, se enquadram os que agem sem compromisso com a atividade desenvolvida pela organização criminosa, envolvendo-se apenas o suficiente e o necessário para atender aos pleitos do grupo, normal­mente recebendo em contrapartida vantagem indevida.

Conforme legalmente descrito, não foram poucas as licitações fraudadas, obras desviadas de suas finalidades, inconclusas ou só existentes nos papéis públicos; não foi pequeno o volume de recursos liberados a partir de medições adulteradas, fraudadas ou forjadas, com o único intuito de liberar os pagamentos para a organização, práticas ocorridas nos Estados da Bahia, de Sergipe, de Alagoas, do Maranhão, de Mato Grosso e no Distrito Federal.
IV – DA PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIGADOS:
(...)
No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de (sic) diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São categorizados como intermediários.
Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório (fl. 05/06):
... a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos, pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do vínculo do servidor com o grupo criminoso.

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:
(...)
17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, Procurador-Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradora do Estado, deu parecer favorável para permitir pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrato, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2006(...)’.

6. Especificamente quanto à prisão cautelar do Paciente (referido nos diálogos monitorados como ‘Gordinho’), estes os fundamentos que embasaram a decretação da medida constritiva, in verbis:
‘(...) Como bem ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.
O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.
Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.
Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização (...) diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.
Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.
Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:
(...)

43) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA;’
7. Não há que se falar em generalidade ou falta de fundamentação da decisão que decretou a prisão cautelar do Paciente, tendo em vista que não remanescem dúvidas acerca do seu envolvimento com os graves fatos apurados nos do Inquérito nº. 544/BA, do Superior Tribunal de Justiça.
8. Com efeito, em novembro de 2006, o Superior Tribunal de Justiça instaurou inquérito para apurar a ação de uma organização criminosa, integrada por empresários, empregados de empresas, lobistas e servidores públicos, que tinha como principal atividade a apropriação de recursos públicos federais e estaduais, destinados a obras adjudicadas à empresa GAUTAMA, através de processos de licitação fraudados. Para a consecução desse objetivo, a organização praticava os mais variados crimes, tais como, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, dentre outros delitos de idêntica gravidade.
9. A investigação teve início na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, desde março de 2006, tendo sido os autos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça em razão do envolvimento de duas autoridades com prerrogativa de foro na citada Corte: o Governador do Estado do Maranhão Jackson Lago e o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Flávio Conceição de Oliveira Neto.
10. Atendendo a requerimento formulado nos autos do Inquérito, foi autorizada a interceptação das comunicações telefônicas dos envolvidos, medida que perdurou até maio de 2007, com a apresentação de relatório conclusivo pela autoridade policial.
11. Constatada a existência da organização criminosa e que ela continuava agindo intensamente, em vários Estados da federação, desviando recursos destinados a obras públicas, inclusive recursos do recente Programa de Aceleração do Crescimento (‘PAC’) lançado pelo Presidente da República, o Procurador-Geral da República requereu à Relatora do Inquérito que autorizasse medidas de busca e apreensão e a prisão preventiva dos principais envolvidos, de modo a cessar imediatamente a ação delituosa e garantir a colheita dos elementos probatórios necessários à deflagração da ação penal.
12. Relativamente à conduta apurada do Paciente, foi descrito, em evento específico – Evento Maranhão – todos os fatos apurados, inclusive com a transcrição dos diálogos interceptados, que comprovaram a efetiva atuação do Paciente, então no cargo de Procurador Geral do Estado, para beneficiar a Construtora GAUTAMA, com o pagamento de milhões de reais por medições irregulares, existindo fortes indícios de que o Paciente solicitou vantagem indevida para praticar os atos do seu ofício.
13. Assim, ao contrário do que afirmou o Impetrante, o Paciente não está sendo investigado porque proferiu pareceres na condição de Procurador Geral do Estado do Maranhão. Ele está sendo investigado porque associou-se ao grupo criminoso para, valendo-se do cargo que exercia, patrocinar os interesses da organização criminosa perante a administração do Estado e, também, proferir pareceres favoráveis às fraudes perpetradas, consciente de que, com a sua conduta, estava viabilizando o desvio de verbas públicas.
14.É incontestável que o Paciente conhecia o esquema delituoso implantado pela organização criminosa na estrutura da Secretaria de Infra-estrutura do Estado do Maranhão e em outros órgãos do Governo estadual, e agiu para que a empreitada criminosa se desenvolvesse de acordo com as pretensões do grupo, recebendo, em contrapartida, vantagens indevidas.
15.Muito embora não se tenha colhido diálogo direto do Paciente com os integrantes da organização, foram registrados diversos diálogos entre GERALDO MAGELA – assessor especial do então Governador JOSÉ REINALDO TAVARES – e ZULEIDO VERAS – sócio proprietário da GAUTAMA –, onde foi expressamente referida a atuação do Paciente em favor da organização criminosa.
16.Segundo apurou-se, foi o Paciente quem instruiu o processo relativo à 6ª medição das obras de construção das pontes, no Estado do Maranhão, medição essa que continha fraudes que inviabilizavam o seu pagamento. Para permitir que a GAUTAMA recebesse os valores da medição, calculados em mais de um milhão de reais, o Paciente retirou do processo documentos em que a GAUTAMA pedia a formalização de um aditivo.
17. E assim agiu porque, àquela altura, não interessava mais aos dirigentes da GAUTAMA a formalização de aditivo, que implicaria em demora na liberação do pagamento.
18. A atuação do Paciente em favor dos interesses ilícitos dos dirigentes da GAUTAMA também ocorreu com relação às obras de implantação e de pavimentação da BR 402/MA – que teve o processo de licitação fraudado para dirigir a obra ao consórcio formado pela Construtora GAUTAMA e pela Construtora QUEIROZ GALVÃO.
19. Segundo os diálogos, em um primeiro momento, o Paciente queria dirigir a licitação para beneficiar a Construtora SUTELPA. No entanto, após negociações, ocorridas durante dois encontros entre o Paciente e outros integrantes da organização, o primeiro, no dia 1º de setembro, em São Luiz, que contou com a presença do Governador JOSÉ REINALDO TAVARES, de GERALDO MAGELA e de ZULEIDO VERAS; e o segundo, no dia 6 de setembro, em Brasília, no Hotel Meliá, com MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, diretora comercial da GAUTAMA, VICENTE CONI, diretor da GAUTAMA no Maranhão e o representante da empresa PEDRA AZUL, integrante do mesmo grupo da SUTELPA , ele aceitou ‘acomodar’ a situação, para atender aos interesses da organização criminosa, sendo habilitada na licitação a construtora QUEIROZ GALVÃO.
20. Todos esses elementos, convergentes para o efetivo envolvimento do Paciente com a organização criminosa investigada, foram considerados quando da decretação de sua prisão preventiva.
21. Cabe registrar que, ao contrário do que se tem propalado, as medidas cautelares determinadas nos autos do Inquérito 544 estão respaldadas em investigações que se desenvolveram por mais de 1 (um) ano, acompanhadas pelo Ministério Público Federal e pela Controladoria-Geral da União.
22. Para se ter uma idéia da gravidade dos fatos, todas as obras executadas pela construtora GAUTAMA contém graves irregularidades que estão sendo apuradas pelo Tribunal de Contas da União, em mais de 30 (trinta) processos. Foram desviados em favor do grupo criminoso mais de R$ 150.000,000,00 (cento e cinqüenta milhões de reais), através de fraudes que somente foi possível consumar-se porque os agentes públicos envolvidos, inclusive o Paciente, aderiram à organização criminosa.
23. E mesmo com as investigações em curso, o grupo não se intimidou, continuou a agir livremente, protegidos pela ação nefasta de servidores públicos que, como o Paciente, se propuseram a negociações e conchavos com o proprietário da GAUTAMA, ZULEIDO VERAS, e seus empregados, para permitir a dilapidação do patrimônio público.
24. Certamente, o conhecimento da prova colhida no curso da investigação e de tudo o que se contém nos autos do referido Inquérito 544, propiciará a noção exata da magnitude dos crimes praticados pelo Paciente em benefício da organização criminosa que integra, e de quão correta foi a decisão que determinou a sua custódia cautelar.
25. Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem” – (Parecer do Ministério Público Federal – fls. 654-664).

No caso, a prisão preventiva sustenta-se nos seguintes fundamentos para a decretação da prisão cautelar, nos termos do art. 312 do CPP: i) conveniência da instrução criminal; e ii) garantia da ordem pública e econômica.
Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP.
De fato, a tarefa de interpretação constitucional para a análise de excepcional situação jurídica de constrição da liberdade dos cidadãos exige que a alusão a esses aspectos estejam lastreados em elementos concretos.
Da leitura dos argumentos expendidos pela Relatora perante o STJ, contudo, constato que não há, em qualquer momento, a indicação de fatos concretos que levantem suspeita ou ensejem considerável possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal.
Tenho por insubsistente o requisito da decretação para a conveniência da instrução criminal.
Isso ocorre porque não ficou demonstrada, de plano, a correlação entre os elementos apontados pela prisão preventiva no que concerne ao risco de continuidade da prática de delitos em razão da iminência de liberação de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Um elemento decisivo para a análise da regularidade dessa decretação em desfavor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA corresponde ao fato de que, ao momento da prolação da medida constritiva provisória, o paciente não mais ostentava a função de Procurador-Geral do Estado do Maranhão.
A preventiva foi decretada, conforme já mencionado, cerca de 11 meses após o afastamento do paciente. Daí a constatação de ausência de nexo fático-probatório apto a justificar a validade e a legitimidade das razões para a decretação da preventiva.
Com relação ao tema da garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais:

i) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros;
ii) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e
iii) associada aos dois elementos anteriores, para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal.

A jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de crime somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do crime. Nesse sentido arrolo os seguintes julgados de ambas as Turmas:

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO DE PRAZO. 1. O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri. 2. A prisão processual, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifique a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Hipótese, ademais, em que se configura o constrangimento ilegal pelo excesso de prazo da instrução criminal, que não pode ser atribuído à defesa. Ordem concedida” – (HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004).

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da possibilidade de reiteração criminosa. 2. Prisão cautelar por conveniência da instrução criminal. A retirada de documentos do Juízo pelo paciente e a destruição deles na residência de sua ex-esposa, sem a oitiva do Ministério Público, autorizam a conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao andamento regular da ação penal. Merece relevo ainda a assertiva do Procurador-Geral da República de que ‘dentre outros fundamentos, foi considerado o fato relevantíssimo de o Paciente ser um dos mentores da organização criminosa, dispor de vários colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o objetivo de prejudicar o regular andamento do processo criminal’. Ordem denegada” – (HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006).

“1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepciona­lidade. Necessidade de se ater às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP. Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem.
2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito.
3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato.
4. AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal.
5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente. Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal impugnada” – (HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006).

O tema da regularidade e do atendimento dos requisitos para a decretação da prisão preventiva é constitucionalmente relevante porque, caso se pretenda atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito.
Em outras palavras, é necessário definir a exata conformação do seu âmbito de proteção. Tal colocação já seria suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.
Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5o), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.
O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.
E no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, talvez não haja qualquer exagero na constatação de que esses direitos cumprem um papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de direito.
Como observa Martin Kriele, o Estado territorial moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do país – por exemplo, empresas e sindicatos –, por outro, deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição, aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado - Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150).
O estado absolutista e os modelos construídos segundo esse sistema (ditaduras militares, estados fascistas, os sistemas do chamado “centralismo democrático”) não se mostram aptos a resolver essa questão.
Segundo ressalta Kriele:

“(...) A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e com o totalitarismo. Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição soviética de 1936 garante a `inviolabilidade da pessoa´. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição da União Soviética diz, mas adiante, que `a detenção requer o consentimento do fiscal do Estado´. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mas tão-somente uma autorização ao fiscal do Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar as instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes, o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação da `inviolabilidade da pessoa´ não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag; ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos. (Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del Estado. cit., p. 160-161)

A solução do dilema – diz Kriele – consiste no fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos. Todavia, adverte Kriele, “sem divisão de poderes e em especial sem independência judicial isto não passará de uma declaração de intenções”. É que, explicita Kriele, “os direitos humanos somente podem ser realizados quando limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está baseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui a defesa dos direitos humanos”. (KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p.150)
Nessa linha ainda expressiva a conclusão de Kriele:

“Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito. Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outros direitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência.
Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição (g.n)”. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p. 159-160.

Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem constitucional como um todo.
Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial!
Não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. (Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18)
Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária:

“A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law).” (BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98)

Em verdade, tal como ensina o notável mestre italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie.
Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin, também compreendo que a diferença entre um Estado totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão preventiva. Registrem-se as palavras do professor Roxin:

“Entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente. A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão.Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário.” (ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores del Puerto; 2000, p. 258)

Nessa linha, sustenta Roxin que o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental. (Cf. ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10). É dizer o âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais recebe contornos de especial relevância em nosso sistema constitucional.
Na espécie, considerando essa dimensão indisponível de proteção de liberdades, tomo por decisiva a circunstância de que, com relação a todos os demais investigados, a autoridade apontada como coatora, após a inquirição de cada uma das pessoas envolvidas, revogou a prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA.
De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função institucional atribuída às investigações criminais na ordem constitucional pátria. Nesse ponto, entendo que a Eminente Relatora do INQ no 544/BA possui amplos poderes para convocar sempre que necessário o ora paciente.
Por essa razão, não faz sentido a manutenção da prisão para a mera finalidade de obtenção de depoimento. A prisão preventiva é medida excepcional que, exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos consistentes e individualizados com relação a cada um dos cidadãos investigados (CF, art. 93,IX e art. 5o, XLVI).
A idéia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões preventivas.
Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF, art. 5o, §1o).
A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter criminal.
Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.
Ao contrário do que parece sustentar o parecer da PGR, deve-se asseverar que a existência de indícios de autoria e materialidade, por mais que confiram, em tese, base para eventual condenação penal definitiva, não pode ser invocada, por si só, para justificar a decretação de prisão preventiva.
Diante do exposto, no caso concreto, a prisão preventiva não atendeu aos requisitos do art. 312 do CPP.
Vislumbro, assim, patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem.
É como voto.

* acórdão pendente de publicação

Assessora responsável pelo Informativo
Anna Daniela de A. M. dos Santos
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